Arquivo: Dossiê Curitiba – Entrada 011 Transcrição de relato encontrado em mídia digital corrompida. Conteúdo analisado por setor analítico da 2ª Inquisição. Veracidade em aberto. Nome do contato: Antonio. Status: suspeito de vínculo com entidades não humanas.
**“Nem sempre fui servo, embora nunca tenha sido senhor. Quando ainda respirava sem necessidade da vitae, vivia nesta mesma casa — agora em ruínas, com suas paredes cobertas de hera e sussurros. Foi aqui que vi pela última vez o luar sem medo, antes de me tornar o que sou.
“O sujeito exibe sinais de delírio crônico. Mistura símbolos religiosos com estrutura política complexa. Atribui ao próprio estado de servidão algo semelhante à codependência psíquica. Pode ser metáfora… ou um eco de lavagem cerebral.”
Chamem-me de Antonio. Ghoul, sim, mas mais do que isso, testemunha.
Esta cidade — Curitiba — tem sua própria dança noturna. Uma valsa fria, entre becos escondidos e salões de pedra. E como toda cidade, ela abriga aqueles que mandam, aqueles que destroem, e aqueles que se recusam a se ajoelhar. Falo das três grandes seitas dos Cainitas. Que ironia: eles governam a noite como os homens governam o dia, com regras, sangue e mentiras.”**
A Camarilla: A Máscara da Ordem
“A Camarilla é a face respeitável da mentira.
Vestem-se bem, falam em códigos e se reúnem em teatros antigos ou salões discretos no Batel. Dizem proteger a Máscara — essa grande farsa que mantém os mortais ignorantes da verdade.
Mas eu os vi caçando os próprios irmãos por falhas pequenas. Vi primógenos que vendem seus aliados por um posto melhor ao lado do Príncipe.
E, sim, Curitiba tem um Príncipe. Chamam-no de Timotéo de Pádua Guimares. Elegante, cruel em sua compostura, e tão frio quanto o concreto das praças centrais.”
O Sabá: A Fúria da Noite
“Se a Camarilla usa máscara, o Sabá arranca a própria pele.
Eles não fingem ser humanos. Riem da Máscara, cuspindo na ordem e proclamando-se livres.
Mas liberdade para eles é o direito de dominar, torturar e destruir.
Falam de Caim como um deus guerreiro, e Curitiba já sentiu sua presença nas chamas de igrejas abandonadas no Pilarzinho, nas seitas estranhas que surgem e somem com corpos pelo caminho.
Dizem que há um bando adormecido nas ruínas de um antigo mosteiro, esperando pela próxima chamada à guerra.”
Os Anarquistas: Nem Senhor, Nem Servo
“Os Anarchs… esses são difíceis de definir. Uns querem liberdade verdadeira, outros só querem ser príncipes sem coroa. Mas ao menos ousam sonhar. Se reúnem em galpões no Rebouças, ou bares decrépitos na linha verde, armando revoluções entre goles de sangue e punk rock. Alguns me tratam como igual. Outros nem percebem que sou mais velho do que parecem. A juventude dos Anarchs arde com pressa… mas o fogo deles às vezes ilumina onde a Camarilla joga sombra.”
“Três ‘seitas vampíricas’. Interessante. Possível estrutura de facções — talvez célula criminosa organizada. Camarilla como aristocracia, Sabá como cultistas radicais, Anarquistas como milicianos urbanos? Padrão compatível com registros anteriores.”
Epílogo do Relato
“E assim segue a dança. Três seitas, três mentiras diferentes.
Eu sigo, como sempre, à margem. Meu senhor volta em breve — sinto sua presença nos sonhos que me assolam — e com ele, a renovação da minha servidão.
Mas até lá, deixo essas palavras gravadas nestas páginas velhas e nesta morada esquecida.
Talvez um dia alguém leia.
Talvez um dia, alguém compreenda.”
— Antonio, servo do silêncio
“Nota pessoal: apesar do tom melancólico e por vezes quase poético do relato, o narrador mostra clareza demais em alguns pontos. Ele sabe nomes, lugares. Ele viu coisas. Talvez não seja loucura. Talvez seja confissão.”